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Reflexões esporádicas...

... o Padma Yoga Shala está ENCERRADO, mas o Yoga pode e deve continuar, também além do tapete...


Queridos alunos e amigos 🌿,


Quando “tropecei” no Yoga pela primeira vez, foi através do āsana. Como a maioria de nós, sem dúvida… Mas, muito rapidamente, comecei a perceber que o Yoga não era apenas āsana e que este era apenas um dos seus oito membros. O mais visível, sem dúvida. Talvez, por isso, o mais praticado, o mais ensinado, o mais apreciado, etc. Mas não o único, nem tão pouco, o mais importante…


 

Yogasūtra II.29

यमनियमासनप्राणायामप्रत्याहारधारणाध्यानसमाधयोऽष्टावङ्गानि॥२९॥

yama niyama-āsana prāṇāyāma pratyāhāra dhāraṇā dhyāna samādhayo-‘ṣṭāvaṅgāni ॥29॥

« Yama (refreamentos), niyama (observâncias), āsana (postura), prāṇāyāma(disciplina do Sopro), pratyāhāra (recolher dos sentidos), dhāraṇa (concentração), dhyāna (meditação) e samādhi  (ênstase) são os oito membros do yoga.».


 

Assim, à medida que fui avançando pelo caminho do Yoga, fi-lo com a consciência de que não era uma técnica de contorcionismo ou uma prática física, cujo objectivo seria colocar o pé atrás da cabeça (mesmo se isso eventualmente acabou acontecer um dia e, sinceramente, não mudou absolutamente nada à minha vida!), mas sim um caminho de auto-conhecimento, de consciência de mim mesma, da forma como me relaciono com os outros e com o ambiente à minha volta. Através da prática regular e constante dos Yama/Niyama, de āsana, da respiração consciente, da capacidade para recolher os meus sentidos, de me concentrar e de meditar, viria a possibilidade de alcançar o samādhi e a tão desejada “cessação das flutuações da mente”. E, finalmente, quem sabe, mokṣa, a Liberdade, a libertação do saṃsāra, do ciclo de reencarnações, do sofrimento inerente à condição humana (independentemente das crenças de cada um, é importante não esquecer que o Yoga se insere na tradição hindu, que acredita no samsāra, o contínuo ciclo do nascimento, morte e renascimento).


 

Yogasūtra I, 2

योगश्चित्तवृत्तिनिरोधः॥२॥

yogaś-citta-vṛtti-nirodhaḥ ॥2॥


«O Yoga é a paragem dos movimentos da consciência [da agitação existencial]».



O Yoga revelou-se simultaneamente como a técnica a executar para alcançar um objectivo, o caminho a percorrer, enquanto esse objectivo não era alcançado e o próprio objectivo final. E, de forma consciente, foi esse o caminho que decidi percorrer desde então, abraçando o Yoga na sua totalidade, enquanto ser humano e enquanto praticante. Naturalmente, à medida que fui deixando de ser “só” aluna e foram surgindo oportunidades para ser igualmente professora, nunca tive dúvidas sobre o que tinha que transmitir. Yoga! Na sua globalidade. Não apenas āsana...


 

Yogasūtra I. 12

अभ्यासवैराग्याभ्यां तन्निरोधः॥१२॥

abhyāsa-vairāgya-ābhyāṁ tan-nirodhaḥ ॥12॥

«A paragem das agitações mentais obtém-se através da prática constante [do Yoga] e do desapego».


 

Desde o primeiro dia, nunca me considerei professora de āsana, mas sim professora de Yoga. Percorri, desde o início, o meu caminho enquanto professora com essa certeza, assente em satya (verdade), em acordo com o meu svadharma, com a minha intuição, com a voz do meu coração e com o máximo de viveka (discernimento) possível, partilhando o que me foi transmitido pelos meus próprios professores do 💚, num sistema de paraṃparā (linhagem de transmissão directa de professor [guru] a aluno [śiṣya]), ao qual se foi juntando a minha experiência pessoal do Yoga (ao longo dos últimos 15 anos) e de vida (ou de vidas)…


The first yogic principle is to be true to yourself,

true to others,

true to your own practice,

true in spreading your knowledge.

You can never change this principles.

R. Sharath Jois


“O primeiro princípio yóguico é ser verdadeiro consigo mesmo, verdadeiro com os outros, verdadeiro com a sua prática, verdadeiro na partilha do seu conhecimento. Você nunca pode mudar esse princípio.”


R. Sharath Jois

 


Por todas estas razões, apesar dos inúmeros alunos que vinham às minhas aulas apenas para fazer exercício físico e “não queriam ter nada a ver com espiritualidade” ou “não tinham paciência para tanto śānti, śānti, śānti”, ou que queriam “apenas desligar-se do resto do mundo durante uma hora e sentir-se bem”, nunca deixei de ensinar mantras, nunca deixei de insistir na prática de Yama/Niyama, da respiração consciente (e com igual ou maior importância que o āsana), do silêncio e da meditação, da prática enquanto devoção e ritual, a ser praticada todos os dias, nos momentos bons como nos maus (tentando encontrar um equilíbrio), quando temos ou não temos tempo (adaptando obviamente), em respeito por nós mesmos, pelos outros, pelo professor, pelo espaço de prática, pela comunidade onde nos inserimos, pelo próprio planeta em que vivemos.


Ao longo dos anos, fui partilhando a prática de āsana enquanto ferramenta para manter o corpo saudável, da respiração consciente enquanto meio de apreender e acalmar a mente, a prática de Yama/Niyama enquanto ferramenta indispensável para nos relacionarmos de forma harmoniosa connosco mesmos, com os outros e com o ambiente que nos rodeia e fundações indispensáveis para os outros membros do Yoga.


Tudo isto e muito mais, de forma regular, por longos períodos de tempo, sem interrupções, com dedicação e zelo, para que pudessem ser observados os seus efeitos e benefícios.


Yogasūtra I.14

स तु दीर्घकालनैरन्तर्यसत्कारासेवितो दृढभूमिः॥१४॥

sa tu dīrghakāla nairantarya satkāra-ādara-āsevito dṛḍhabhūmiḥ ॥14॥


« Ela [a prática constante] só encontra uma base sólida, se acompanhada de uma duração prolongada, sem interrupções e se for realizada com dedicação e zelo ».


 


Tudo isto e muito mais, assente  em tapas, a disciplina e o esforço sobre si mesmo, em svādhyāya, o estudo de si mesmo, através do estudo dos textos sagrados, da relação estabelecida com o professor e, finalmente, de īśvarapraṇidhāna, a devoção a Īśvara, o dom de si mesmo e a confiança no Universo.


Yogasūtra II.1

तपःस्वाध्यायेश्वरप्रणिधानानि क्रियायोगः॥१॥

Tapaḥsvādhyāyeśvarapraṇidhānāni kriyāyogaḥ||1||


« A disciplina [ou esforço sobre si mesmo](tapas), o estudo [de si mesmo, através dos textos sagrados] (svādhyāya) e a devoção a Īśvara [Supremo](īśvarapraṇidhāna) [constituem] o Yoga da Acção (kriyāyogaḥ) ».


 


Sempre em constante aprendizagem (sempre insisti sobre o facto de que um bom professor, tem que ser, primeiro e acima de tudo, um bom aluno), fui adaptando a forma como ia transmitindo o que ia aprendendo, processando, digerindo, sem nunca perder a noção de que esse mesmo bom professor, tem o dever (dharma) de transmitir aos alunos o que eles precisam e não o que eles querem! E olhem que, infelizmente, as vezes em que ambas as coisas estão em desacordo, são bem mais comuns e frequentes do que se possa pensar e, por isso, a confiança é algo indispensável na relação entre o aluno e o professor! Se observarem bem, é muito semelhante ao que estamos a viver actualmente… Por vezes, pode ser difícil aceitar que o que queremos, pode não ser o melhor para nós ou vice-versa… Por vezes, pode ser difícil fazer a distinção entre vontades e necessidades… É importante ter fé no Universo que, na sua sabedoria, age sempre a nosso favor (mesmo que, de momento, pelas nossas limitações, não o consigamos ver e que isso nos faça sofrer…)!


 

Yogasūtra II.2

समाधिभावनार्थः क्लेशतनूकरणार्थश्च॥२॥

samādhibhāvanārthaḥ kleśatanūkaraṇārthaśca||2||


« [Esse Yoga tem] a finalidade de cultivar o samādhi (ou perfeita concentração) e de atenuar as causas de aflição (kleśa) ».


 

Foi sempre com base nesta certeza (essencialmente interior, que vem da intuição, que vem do 💚 e de viveka e que na tradição do Yogachamamos śrāddha) e de forma a respeitar a imensa tradição que é o Yoga, que tanto tem transformado a minha vida, que tanto me deu, que tanto me libertou de certos condicionamentos e à qual estou imensamente grata, que fui tomando algumas das decisões dos últimos tempos e que muita gente considerou estranhas nos tempos que correm, como por exemplo, não colocar fotografias ou vídeos de āsana nas redes sociais, não expor a minha própria prática de Yoga (que vai muito além do tapete e do āsana e integra a totalidade da minha vida), para finalmente sair definitivamente das redes sociais, contrariando a tendência geral no mundo do Yoga, num acto que muitos consideraram “excessivo” ou “suicida” para o Padma Yoga Shala🌿.


“Que mais vale seguir seu próprio dharma,

mesmo imperfeito, do que o dharma d’outro na perfeição;

mais vale expirar no seu dharma do que seguir,

em grande p’rigo, o dharma alheio.”

Bhagavad Gītā, 3.35


Foi igualmente com base nesta certeza, que senti que, face ao que vivemos actualmente, em vez de me activar imediatamente, reagir e encontrar soluções imediatas, precisava parar, voltar-me para dentro, praticar mais e melhor, respirar de forma consciente, concentrar-me, ouvir o silêncio e criar espaço dentro de mim para que a minha verdadeira essência se pudesse manifestar e para que pudesse surgir naturalmente, de um espaço de Consciência (e não de um espaço de condicionamentos e de aflições), a melhor forma de agir neste momento de grande mudança, de maior tensão, de crise, enquanto professora de Yoga.


“We must remember, it is self-examination, not examination of others, which lays the foundation for our spiritual quest.”

Pandit Rajmani Tigunait



Não tenho qualquer intenção de emitir opiniões sobre o que está a acontecer actualmente, sobre a forma como será feita a gestão da anunciada pandemia ou sobre as consequências que isso terá sobre a vida de todos, a curto ou a longo prazo. Acho que há gente suficiente a fazê-lo e não me parece que seja construtivo juntar mais uma voz a todos os vṛtti (flutuações mentais ou agitações existenciais) que temos, de momento, a funcionar dentro de nós. Não quero dizer com isto que não estou preocupada com a situação que vivemos actualmente. Claro que sim, estou preocupada! Para além de ser professora de Yoga, sou também mãe, filha, companheira, amiga. Mas, mais urgente que dar força a essa preocupação, é dar força a uma energia que a possa contrariar, de forma a encontrar alguma tranquilidade e serenidade interior, no meio de toda a agitação exterior.


Yogasūtra I. 33

मैत्रीकरुणामुदितोपेक्षणां सुखदुःखपुण्यापुण्यविषयाणां भावनातश्चित्तप्रसादनम्॥३३॥

maitrī karuṇā mudito-pekṣāṇāṁ-sukha-duḥkha puṇya-apuṇya-viṣayāṇāṁ bhāvanātaḥ citta-prasādanam ॥33॥


« A projecção de amizade, compaixão, gratidão e equanimidade perante as coisas - [sejam elas] alegres ou tristes, meritórias ou demeritórias - [leva à] pacificação da consciência ».


 

E o Yoga, como disse acima, não é para praticar só em cima do tapete, nem tão pouco, para praticar só nos momentos bons ou para nos fazer sentir sempre bem. O Yoga não é diferente da própria vida e deve ser integrado a todos os momentos, sejam fáceis ou difíceis (e muitas vezes, quando começa verdadeiramente a ser difícil, quando o Yoga começa verdadeiramente a fazer efeito e que as coisas começam a revelar-se mais difíceis, obrigando-nos a olhar para as nossas partes de sombra, as pessoas desistem, porque não querem sofrer… Mas, na verdade, é precisamente o sofrimento que nos traz até ao Yoga, quer estejamos ou não, conscientes disso!).


Yogasūtra II, 3

अविद्यास्मितारागद्वेषाभिनिवेशाः क्लेशाः॥३॥

avidyā-asmitā-rāga-dveṣa-abhiniveśaḥ kleśāḥ ॥3॥


« As causas do sofrimento são : a ignorância, o ego, o apego, a repulsa, o medo (da morte) ».


Como nos diz Patañjali, para aquele que desenvolveu o discernimento, tudo é sofrimento.


Yogasūtra II, 15

परिणामतापसंस्कारदुःखैर्गुणवृत्तिविरोधाच्च दुःखमेव सर्वं विवेकिनः॥१५॥

Pariṇāmatāpasaṁskāraduḥkhairguṇavṛttivirodhācca duḥkhameva sarvaṁ vivekinaḥ||15||


« Para quem desenvolveu o discernimento, tudo é na verdade [considerado como] doloroso (duḥkham) por causa dos [que deriva dos] resultados ou consequências [das próprias ações], [das] experiências penosas [e das] impressões latentes (saṁskāra), e em virtude do conflito entre as flutuações das qualidades (guṇa) [da Natureza] ».


Diz-nos também que o sofrimento que ainda não chegou, pode e deve ser evitado. E não, isto não é um paradoxo! Isto é a razão da existência do Yoga!


Yogasūtra II, 16

परिणामतापसंस्कारदुःखैर्गुणवृत्तिविरोधाच्च दुःखमेव सर्वं विवेकिनः॥१५॥

heyaṁ duḥkhamanāgatam||16||


« O que se há-de superar é o sofrimento futuro ».


 

Vamos aos poucos aprendendo a libertar-nos dos nossos condicionamentos, da identificação com o corpo, com a mente, com os pensamentos e as emoções, para que possa revelar-se a nossa verdadeira essência, a Consciência que somos. O que se transforma, não é a forma como olhamos para o mundo, mas sim Aquele que Vê, que se vai revelando aos poucos, à medida que nos vamos libertando dos kleśā, das causas de sofrimento. E, a partir daí, podemos agir em consciência, em vez de reagir. Deixamos de estar presos aos nossos condicionamentos e encontramos a Liberdade para manter a nossa tranquilidade e serenidade face ao desconhecido, nos momentos de tensão e de crise, como o que vivemos actualmente. Mas, claro que isto não é fácil, nem imediato ou instantâneo… É um trabalho de cada dia, de cada instante! Vamos alcançando esse estado por momentos, por breves instantes. Aprendemos, em seguida, a prolongar ou a recriar essa tranquilidade, mesmo nos momentos mais difíceis, sem nunca desistir, sem nunca deixar de acreditar que, um dia, talvez, transformar-se-á num estado permanente…


"O Yoga é conhecido como uma via difícil e feita para os espíritos corajosos e intrépidos. O adepto do Yoga não deve interrogar-se se chegará ou não um dia ao Samādhi, ou se esta via é o caminho que lhe convém. Ao questionar-se desta maneira, o yogi  recua na sua progressão. Não é o Yoga que «não é feito para nós». É, talvez, a falta de fé nas nossas capacidades para atingir o fundo de nós próprios que nos impede de mergulhar na Realidade do princípio de vida."


Mestre Georges Stobbaerts (1940-2014)



Mas creio que, não ter tido medo de falar livremente sobre tudo isto (o sofrimento, os condicionamentos, as causas de aflição e acima de tudo o “deixem-se lá de tretas, no Yoga o professor só faz meio caminho, a outra metade têm que ser vocês a percorrer, porque no final, nem eu ando convosco ao colo, nem os meus professores andam comigo ao colo!”), insistindo na regularidade, na disciplina pessoal, na dedicação, no respeito e na confiança (no Yoga, na prática, no professor) e também no desapego (pois já se sabe que, como diz o Peter Sanson, professor do meu 💚, o Yoga não tem agenda, isto é uma prática para a vida e os efeitos que gostaríamos de alcançar podem tardar por vezes a chegar e temos que ser pacientes e estar prontos para aceitar isso!), como bases indispensáveis à prática, foi certamente o que me valeu a fama de ser demasiado exigente ou “intransigente” (o facto de ter descoberto isto, neste momento específico, por muito estranho que pareça, foi muito positivo e estou muito grata por ter acontecido!🙏)…


Apesar de sempre ter salientado a que ponto o papel do professor é indispensável, para aprofundar os ensinamentos dentro da tradição do Yoga,  a verdade é que através dessa minha “intransigência”, fui insistindo e preparando cada um de vós (que me escolheram como professora, de forma efémera ou duradoura) para que fossem ganhando autonomia na vossa prática pessoal de āsana, de respiração consciente, de concentração, para que fossem ganhando confiança na vossa capacidade de tapas (disciplina sobre si mesmo), para que nunca se sentissem obrigados a frequentar o Shala (por não saberem praticar sozinhos), para que pudessem estar presentes apenas por escolha pessoal, para aprofundar o vosso conhecimento e prática, para partilhar comigo e com os vossos colegas a vossa energia, a vossa dedicação, a vossa vontade em revelar, de dentro para fora, a vossa verdadeira essência, o ser pleno e consciente que realmente são! Que forma estranha, esta de criar uma comunidade, empurrando para a autonomia e para a independência e, ao mesmo tempo, insistindo na generosidade, na partilha, na dedicação, na confiança e no respeito... Será assim tão estranho quanto isso? Será assim tão diferente do que temos para viver nos próximos tempos?


Sinceramente, acredito que cada um de vós (mesmo quem começou há pouco tempo), tem dentro de si, a força e a capacidade para continuar a praticar em casa, ou através das sequências já memorizadas, ou através da sequência que vos tinha deixado gravada antes de ir para a Índia (e que é parte da sequência da Primeira Série de Ashtanga Yoga) ou mesmo da gravação (muito improvisada) que fiz da aula da semana passada e que enviei a todos os alunos que estavam inscritos no Shala no momento em que me foi pedido que fechasse as portas. Se não receberam, não hesitem em dizer-me, é com muito gosto que volto a enviar.


(Alguns de vocês, já tiveram o cuidado e a atenção de me informar que a receberam, que a usaram e que ajudou a trazer um pouco de serenidade e tranquilidade à mente, nestes tempos de incerteza e mudança. Fico feliz por saber disso. A grande maioria das pessoas que recebe os meus mails, não responde, por isso fico sempre muito grata a quem tem a gentileza de dedicar um pouco do seu tempo a responder-me, pois isso deixa-me a sensação de que a energia flui nos dois sentidos e que se instala uma relação saudável entre dar e receber, e isso, mais que nunca, nos tempos que correm, vai ser indispensável para a sobrevivência do ser humano e o alargar de todas as consciências! A todos vós, o meu mais sincero agradecimento!).


 

Não vai ser fácil, garanto-vos. Falo por experiência própria. Falo da experiência de uma “aluna” que tem os seus professores do coração do outro lado do mundo, que os vê uma ou duas vezes por ano (quando tem sorte) e que pratica sozinha o restante tempo, indo buscar quotidianamente força a tapas, svādhyāya e īśvarapraṇidhāna (nunca ensinei nada que não praticasse pessoalmente…). Não é fácil encontrar a força e a motivação para manter uma prática quotidiana (ou regular) de āsana e cada dia é um novo desafio. Nos momentos bons teremos mais vontade. Nos momentos difíceis teremos sobretudo vontade de desistir. Com o tempo, vamos percebendo que não se trata de bom ou mau, fácil ou difícil, mas sim de regularidade e de fé no objectivo final e acabamos por criar rituais que facilitam o processo e nos trazem estabilidade, tranquilidade e serenidade, mesmo nas situações mais difíceis. Através da presença no “aqui e agora”, vamos aprendendo a reconhecer e depois a ultrapassar os obstáculos, dia após dia, prática após prática…


Yogasūtra I, 30

व्याधिस्त्यानसंशयप्रमादालस्याविरतिभ्रान्तिदर्शनालब्धभूमिकत्वानवस्थितत्वानि चित्तविक्षेपास्तेऽन्तरायाः॥३०॥

vyādhistyānasamshayapramādālasyāviratibhrāntidarshanālabdhabhūmikatvānavasthitatvāni chittavikshepās te ’ntarāyāh||30||


« Doença, inércia mental, dúvida, precipitação, apatia, intemperança, erro de julgamento sobre si, falta de progresso, regressão são os obstáculos, causa de dispersão mental ».


Yogasūtra I, 31

दुःखदौर्मनस्याङ्गमेजयत्वश्वासप्रश्वासा विक्षेपसहभुवः॥३१॥

duḥkadaurmanasyāṅgamejayatvaśvāsapraśvāsā vikṣepasahabhuvaḥ ||31||


« Sofrimento, depressão mental, agitação física, inspiração e expiração [desordenadas] acompanham a dispersão mental ».


 

Criar as condições necessárias, abrir o tapete, subir para cima dele, respirar de forma consciente, cantar o mantra, voltar à respiração, iniciar o movimento em acordo com a respiração, manter a mente focada no momento presente… Perder o fio à meada… Ver surgir os sintomas de uma mente dispersa, identificar os obstáculos, tentar ultrapassá-los… Recomeçar! Uma e outra vez! Finalizar com o mantra. Colocar intenções. Dedicar a energia da nossa prática aos outros… Aqueles que mais precisam dela… Há sempre quem precise de mais que nós… Levar o Yoga além do tapete! Até que, como nos dizia Sri Tirumalai Krishnamacharya, “o impossível torna-se possível e depois, o possível, torna-se fácil!”…


“O sucesso do yoga não reside na capacidade de realizar posturas, mas em como isso muda positivamente a maneira como vivemos a nossa vida e os nossos relacionamentos.”

TKV Desikachar


Na minha opinião, dar uma aula de Yoga, nunca é apenas uma transmissão de técnicas ou de ajustes de asanas. Na minha opinião, dar um aula de Yoga, é essencialmente dar uma parte de si mesmo, transmitir a sua experiência do Yoga através da sua própria energia, da voz, mas também do olhar e do toque (agora já sabem o porquê de cada abracinho!). E, é por esta razão que, depois de observar a tendência geral e de ouvir os pedidos de alguns alunos (e tê-los em conta, não tenham dúvidas disso!), contrariamente à maioria dos meus colegas, que rapidamente se adaptaram à situação de isolamento e criaram imediatamente aulas online, eu precisei de parar, meditar, escutar a minha voz interior. Ao manter-me no momento presente, ao focar-me na minha respiração, volto ao meu centro e à tranquilidade que isso me traz! O silêncio, o recolhimento e a reflexão profunda sobre estes momentos de extrema mudança, onde estão à flor de pele todos os kleśā, onde se manifestam com tanta facilidade todos os obstáculos na via do Yoga(e na própria vida!), são verdadeiras ferramentas de transformação e dão-nos uma oportunidade única, para nos posicionarmos na nossa vida, na nossa prática e também para percebermos até que ponto corresponde à realidade, tudo que que tomávamos como certo, tudo o que pensávamos de nós mesmos, tudo o que acreditávamos ser a nossa vida e o mundo em que vivemos.


 

Vários dias de reflexão depois (peço desculpa se pareceu longo, para alguns de vós) acabei por concluir que, de forma a respeitar o meu próprio caminho dentro do Yoga (enquanto aluna, praticante e professora), que fazer novas aulas de āsana online (vídeo ou áudio), que não tenhamos feito juntos ao vivo, não é uma opção que esteja em acordo com aquilo em que acredito.


A voz funciona em sentido único, o professor fala, mas não há retorno por parte do aluno para partilhar a sua experiência (na maioria das vezes, mesmo se há algumas excepções…). O olhar está fixo no professor, quando no Yoga, deve ser o olhar do professor a pousar-se sobre o aluno, dando-lhe a possibilidade de adaptar cada āsana às suas capacidades, porque nunca se trata do que o professor pode fazer, mas sim do que o aluno pode e deve fazer (por isso nunca me viram em fotografia pelas redes sociais)! O toque é inexistente. O que significa que a energia não flui da mesma forma (e para quem queira insistir que sim, sempre passa alguma coisa, claro que passa, mas não é igual e não creio que esteja em acordo com o que sempre ensinei). Sempre critiquei as aulas de āsana pelo Youtube, por achar que não respeitam a tradição do Yoga e, mesmo em tempo de crise, continuo a achar que não são a solução. Não critico quem opte por fazê-lo, creio que todos temos o direito e o dever de agir em acordo com a nossa consciência. Mas, depois de uma profunda reflexão, esta foi a decisão que me veio de dentro…


Tenho consciência que, por não enveredar por esta via de transmissão de aulas de āsana online, se a situação de interdição de dar aulas de grupo se prolongar durante algum tempo, posso estar a tomar a decisão de que o Padma Yoga Shala🌿 não sobreviverá ao vírus. Estou muito consciente disso, mas, ainda assim, escolho não o fazer, para me manter fiel ao que me foi ensinado, ao que pratico, ao que tenho transmitido ao longo dos anos. Escolho não o fazer, não porque sou “intransigente”, mas porque acredito sinceramente que vocês não precisam que eu o faça. Vocês têm as bases. Têm uma prática de āsana que podem seguir (ou duas, se forem buscar o áudio de quando fui para a Índia) e vou gravar uma aula guiada de Ashtanga Yoga, que vos enviarei também, só para quando sentirem saudades da minha voz (partindo do princípio que isso possa acontecer). Ninguém precisa estar sempre a trocar de sequência, só porque sim. Aliás, a maioria de vós, já me ouviu dizer que trabalhar com uma sequência fixa é muito mais eficaz e, por isso, repetimos a mesma sequência durante um mês seguido. Não têm nada a perder em repeti-la, memorizá-la, observar as diferenças ao longo do tempo, seja um mês, dois meses, um ano. Volto a dizer que, o mais difícil, será sempre subir para cima do tapete!


Com esforço sobre si mesmo e disciplina (tapas), com o estudo de si mesmo, observando a cada instante os nossos condicionamentos e as aflições(kleśā) em acção (svādhyāya), fazendo dom do melhor de si mesmo e confiando no Universo (īśvarapraṇidhāna). Não vai ser fácil, mas não é impossível e tenho a certeza que cada um, à sua maneira, encontrará a melhor forma de o fazer! Até que seja possível voltar a abrir as portas do Padma Yoga Shala🌿, até que possamos voltar a estar todos juntos no mesmo espaço, esperando que um dia possamos voltar a fazê-lo…



Daqui até lá, eis o que posso fazer online, para quem esteja interessado em manter o estudo e a prática do Yoga (também além do tapete) :


- Posso fazer satsaṅga, pelo WhatsApp ou pelo Skype;

- Posso escrever regularmente na página da Newsletter do site, sobre temas relacionados com o Yoga e o quotidiano;

- Posso criar um grupo de estudos dos Yogasūtra ou de leitura da Bhagavad Gītā;

- Posso ensinar-vos ou cantar-vos mantras;

- Posso fazer relaxamentos ou meditações guiadas;

- Posso ficar aberta a outras sugestões que não sejam novas aulas de āsana online, pois isso, não voltarei atrás na minha decisão…


Tudo isto, eu posso fazer, provavelmente ao final do dia, porque muitos de vós estão a trabalhar em casa ou em horários extraordinários (e aproveito para agradecer a todos a quem foi pedido que avançassem para a linha da frente, nestes tempos conturbados, pelo trabalho que estão fazer por todos nós 🙏💚), para que tenhamos verdadeiramente a sensação de nos juntarmos todos novamente, para recriar o ambiente do Padma Yoga Shala🌿 em dias de satsaṅga.


 

Tudo isto mantém-se em acordo com o que sempre ensinei, com a necessidade de manter a autenticidade dentro desta tradição que escolhi, com o Yoga além do āsana.


Tudo isto pode eventualmente ajudar (não do ponto de vista físico, como o āsana, mas de um ponto de vista espiritual), nestes momentos difíceis, a compreender melhor a forma como podemos fazer face ao sofrimento, que nos é gerado pela situação actual.


Tudo isto é Yoga e, apesar de não ser o ideal, é mais adaptado que a prática de āsana online (continuo a dizer, a energia não é a mesma, a conexão com cada um de vós não acontece da mesma forma, já que não vos vejo, não vos ouço, não vos toco da mesma maneira). Mas, só o farei se também fizer sentido para vocês, pois todos sabemos que, no final, não se trata daquilo que tenho para ensinar, mas daquilo que os alunos estão dispostos a aprender… Se não for o caso, regressarei simplesmente à minha prática pessoal e aguardarei, tão tranquilamente quanto possível, o fim da crise…


 

Assim, no aguardo de uma resposta da vossa parte, peço-vos que tentem manter a vossa prática de āsana, para se manterem tão saudáveis quanto possível, tentem manter a vossa respiração consciente, para conseguir manter a vossa tranquilidade e serenidade, tentem manter-se activos e dêem o melhor de vós mesmos, ao agir em função do vosso dharma, tentem identificar as causas de sofrimento que surgem facilmente nestes momentos difíceis e tentem apaziguá-las tanto quanto possível. Não se esqueçam que a saúde não é uma característica apenas do corpo físico! Não se esqueçam também, que somos seres plenos e conscientes, infelizmente incapazes de reconhecer a nossa verdadeira essência, devido a avidyā, primeira causa do sofrimento humano. Mas não deixem que isso vos retire o melhor da vossa humanidade, no final é sempre uma questão de escolha!


Obrigada por me lerem! Agradeço antecipadamente a todos os que encontrarão um momento para me responder, nem que seja para me dar notícias de vocês! Porque o facto de tentar encontrar tranquilidade, serenidade e estabilidade em tempos de crise, não invalida que me preocupo convosco! Hoje e sempre!


ॐ लोकाः समस्ताः सुखिनो भवन्तु⎜ ॐ शान्तिःशान्तिःशान्तिः⎜⎟ Oṃ

Oṁ lokā samastā sukhino bhavantu

Oṁ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ

Hariḥ Oṁ Oṃ

Que todos os seres, em todos os lugares, sejam felizes.

Que haja Paz, Paz, Paz.


 

Com todo o meu amor e carinho, desejo-vos coragem, bons questionamentos e boas práticas… Dentro e fora do tapete!


Namaste,

🙏💚🌿 Rita



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